Em casa

 

Competência cultural

A família acolhedora tem a obrigação de ajudar a criança a manter a sua identidade cultural. Cabe à família acolhedora perceber que a criança deve frequentar uma escola onde existem outras crianças que partilham a sua identidade cultural, ter mentores da mesma cultura, continuar a frequentar a sua igreja, a falar a sua língua, a comer comida do seu país, entre outros elementos/aspetos. Portugal tem uma forte presença da comunidade ucraniana e é relativamente fácil ajudar a criança neste sentido.

Formas de tratamento e apelidos

Uma criança em acolhimento deve manter o seu apelido e identidade legal e não deve usar o apelido da família, pois o acolhimento é temporário, e o uso do apelido de uma família de acolhimento por uma criança implica uma situação mais permanente. Se a criança quiser usar o seu apelido, discuta isso com a equipa de acolhimento.
Uma criança em acolhimento pode não ter certeza do que lhe chamar quando chega a casa. Cabe-lhe a si, em família, decidir e dar algumas opções à criança. Por exemplo: esta pode chamá-los pelo primeiro nome; por tia ou tio; etc. Algumas crianças em acolhimento podem pedir autorização para a chamar de “mãe” e “pai”, mas lembre-se de que isso pode ser complicado para a família de origem e para a criança.
Seja o que for que decida, é importante dar algumas opções à criança e permitir que ela se sinta confortável. É importante respeitar o nível de conforto da criança ao seleccionar os nomes para os vários membros da família.

Período de integração¹

¹ Traduzido com adaptações de Foster Parent Handbook, Iowa Department of Human Services

As crianças que chegam a uma família de acolhimento passam por um processo de luto, que inclui as fases de choque ou negação, raiva, desespero e aceitação ou pelo menos compreensão. A separação da família de origem é difícil para todas as crianças, independentemente do motivo da integração da separação?. As crianças costumam mostrar as suas reacções emocionais à separação da família através dos seus comportamentos.
A seguir, é apresentada uma descrição dos estágios do processo de luto e dos comportamentos típicos que uma criança pode manifestar em cada etapa. A duração do processo de luto varia de criança para criança. Embora a maioria sinta aceitação ao final de um período de seis meses, algumas ajustam-se mais rapidamente e outras demoram mais.

AS FASES DO LUTO

Choque ou negação (fase da lua-de-mel): emoções reprimidas

∗ As emoções podem estar ausentes, parecer superficiais ou sombrias;

∗ A criança pode parecer ausente ou dormir muito;

∗ Pode comer demasiado ou recusar alimentos;

∗ Pode negar que alguma coisa aconteceu;

∗ Pode parecer confusa;

∗ Pode tentar ser um filho modelo;

∗ Pode regredir e chupar no dedo ou fazer xixi na cama;

Desespero: sentimentos interiorizados

∗ Aceita a realidade da integração na nova casa e percebe que o regresso à família pode não ter lugar em breve;

∗ Pode ficar deprimida, ausente;

∗ Não deseja interagir com outras pessoas, faz poucas perguntas;

∗ Pode parecer desorganizada, inquieta.

∗ Pode estar preocupada com coisas e não com as pessoas;

∗ Pode regredir para um período anterior da vida, quando as coisas eram mais felizes;

∗ Pode ter queixas físicas, como dores de estômago;

∗ Pode magoar-se.

Raiva: manifestação de sentimentos

∗ Percebe as implicações de viver com a nova família;

∗ Pode partir coisas, fazer birras, gritar, chorar, incendiar coisas, roubar, mentir, agir sexualmente, tentar fugir;

∗ Pode ser agressivo ou perturbador em casa ou na escola;

∗ Pode ser ansioso, tenso e hiperactivo;

∗ Pode recusar-se a conversar com ou sobre os pais biológicos;

∗ Pode achar que é o culpado pela saída de sua casa.

Aceitação

∗ Sente e age com segurança no ambiente;

∗ Procura novas actividades e começa a investir emocionalmente.

A seguir, apresentamos algumas sugestões que podem ajudar a lidar com a criança na fase de luto.

 

Choque e negação

  • Receba a criança num ambiente tranquilo. A criança já se sente constrangida, assustada e confusa;
  • Evite ocasiões sociais. Estabeleça uma rotina regular o mais rápido possível e deixe para mais tarde as celebrações de boas-vindas;
  • Dê informações factuais, se estas existem, sobre a localização e o paradeiro dos pais e irmãos;
  • Respeite os sentimentos da criança pelo seu passado. Não faça perguntas. Informe a criança que a porta está aberta se ela quiser falar;
  • Respeite os pais da criança e a lealdade da criança para com eles. Os pais da criança são importantes;
  • Deixe que a criança tenha objectos de valor e dê-lhe um lugar seguro onde os pode guardar;
  • Esteja disponível?
  • Concentre-se no bom comportamento da criança. Embora possa parecer mais fácil concentrar-se no comportamento errado e puni-lo, geralmente é mais útil recompensar o bom comportamento da criança;
  • É importante sublinhar tudo aquilo que a criança faz bem e o quanto gosta dela, bem como o que deseja que ela aprenda ou mude. Uma criança em acolhimento pode duvidar inicialmente das suas observações positivas, mas, se for sincero e persistente, a criança começará a acreditar em si e a desenvolver uma melhor auto-imagem;
  • Evite ameaças. Frases como “envio-te de volta para casa” deixam impressões dolorosas e aumenta o sentido de vulnerabilidade da criança. A criança já perdeu uma ou mais casas e sente-se ameaçada com a possibilidade de perder outra. A longo prazo, isso prejudica a sensação de segurança da criança e é destrutivo ela;
  • Todos os membros da família devem concentrar-se em ajudar a criança a sentir-se mais confortável;
  • Use as tarefas domésticas de forma construtiva. Dê responsabilidades à criança de acordo com a sua idade e que não sejam nem muitas, nem poucas. Reconheça a criança quando faz bem estas tarefas. As responsabilidades domésticas apropriadas aumentam o sentido de pertença da criança;
  • Ajude a criança a aceitar os seus pontos fortes e as suas limitações e não peça mais do que aquilo que a criança é capaz de dar.

 

Raiva

  • Explique à criança que é normal sentir-se zangada;
  • Mostre maneiras aceitáveis de se zangar – nadar, desenhar, correr, conversar, dar murros na almofada, etc.;
  • Se a criança contar histórias exageradas, não as ridicularize ou discuta com ela por causa disso;
  • Determine com a equipa de acolhimento o que é real;
  • Guarde tempo para a criança.

 

Desespero

  • Incentive a criança a falar sobre os seus sentimentos;
  • Pergunte, mas não investigue, como se sente a criança;
  • As bonecas e outras figuras podem ajudar as crianças a expressar os seus sentimentos através da brincadeira;
  • As crianças mais velhas devem ser apoiadas e ajudadas a expressar as suas mágoas e preocupações;
  • Deve interessar-se pela criança e fazer-lhe um livro de memórias, que ela possa levar consigo quando regressar ao seu país de origem;
  • Mostre respeito pelos seus sentimentos e dê-lhe abraços e toques tranquilizadores.

 

Aceitação

  • Proporcione novos interesses à criança e dê-lhe oportunidade para desenvolver novos relacionamentos. Permita que a criança se lembre, converse e tenha contacto com a família biológica. Continue a trabalhar com a criança no seu livro de vida.

Sugestões

  • Quando a criança chega dê-lhe as boas-vindas com um tipo de actividade serena. Montem um pequeno lego, façam um bolo, algo que permita retirar a atenção da criança sobre si;
  • Mostre-lhe o quarto novo e o sítio onde pode guardar as suas coisas, mas não a obrigue a arrumar tudo. A criança pode precisar do seu tempo para o fazer. Ofereça-se para ajudar quando ela quiser;
  • Tenha um sítio pensado para a criança poder colocar uma fotografia da sua família biológica, isso vai tranquilizá-la;
  • Seja sensível e peça autorização antes de a abraçar ou tocar;
  • Não tente trocar a sua roupa, cabelo, etc. Mantenha aquilo que a criança traz, tenha algumas coisas em casa que ela pode experimentar se quiser.
  • Ajude-a a estabelecer uma rotina
  • Dê-lhe oportunidades para conversar consigo, sem fazer juízos de valor ou criticar os pais.
  • Dê-lhe tarefas de que pode gostar e façam-nas em conjunto;
  • Elogie-a;
  • É normal que faça xixi na cama ou nas calças, tenha paciência e não seja punitiva.
  • NUNCA ameace uma criança que se porta mal com a remoção de sua casa.
  • Não bata, grite ou humilhe (saiba aqui porquê).

Casulo

Quando as crianças chegam a casa da família de acolhimento, é necessário que todos se ajustem a uma nova rotina, que nos primeiros tempos poderá ser desafiante. Para que a vinculação tenha lugar é necessário que os cuidadores tenham a oportunidade de estabelecer laços com a criança, isto é, que sejam estes a dar-lhe comida, pegar-lhe ao colo, mudar as fraldas, tomar conta dela quando cai, etc.
Neste período de casulo convém que a vida familiar seja rotineira, que todos passem tempo em casa a conhecer-se, que os dias sejam previsíveis e tranquilos. É por este motivo que algumas das coisas que se fazem quando nasce um bebé (como visitas da família e amigos) devem ser suspensas, até que a criança reconheça que estes são os seus cuidadores principais.

Conselhos práticos para a família de acolhimento, a família alargada e amigos:

  • Estabelecer uma vida rotineira;
  • Deve ser a família a dar comida à criança, a pegar-lhe ao colo quando cai, etc.;
  • A família alargada e os amigos podem ir sendo apresentados devagarinho num local onde a criança se sinta confortável;
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Este período de casulo ajuda a criança a ganhar confiança nos seus cuidadores e a distingui-los de estranhos. Durante o período de casulo, os cuidadores não devem estar demasiado preocupados em corrigir os comportamentos da criança. Este não é o momento certo para ensinar maneiras à mesa, pedir à criança que abandone a sua chucha, ou para impor regras alimentares demasiado rígidas. Se a criança acorda a meio da noite deve ir ter com ela e tranquilizá-la. Lembre-se de que esta é altura para, como se tivesse tido um bebé, provar à criança que ela está segura nas suas mãos e responder aos seus pedidos. Não se preocupe que não está a mimar a criança, o seu objectivo principal é ajudá-la a sentir-se segura. Vá perguntando à criança como se sente e como a pode ajudar, ao mesmo tempo que estabelece os limites necessários para que possam todos ter uma boa vida familiar.

As primeiras semanas

Deve lembrar-se de que tudo nas primeiras semanas é estranho para a criança: uma nova casa, novos pais, animais de estimação, um quarto só para ela, comida nova, uma nova escola, entre tantas outras coisas. A família de acolhimento precisa de estabelecer rapidamente uma rotina à qual muito provavelmente não estava habituada: cozinhar, lavar mais roupa, tentar apaziguar a criança e compreendê-la melhor. As primeiras semanas nunca serão fáceis, mas poderão ser menos difíceis se se fizer o seguinte:

SALVAGUARDAR AQUILO QUE É FAMILIAR

Procure evitar a tentação de transformar a criança, mudando a roupa, cortando-lhe o cabelo, entre outras coisas. É importante que a criança se sinta em casa, e para isso quanto mais familiares forem o ambiente e a rotina e puder preservar as suas coisas, melhor será.
Não estranhe se a criança mexer em tudo o que tem em casa. É uma maneira de esta se situar no espaço e o compreender melhor. Esteja, contudo, preparado para lhe explicar com calma algumas regras de convivência (e para as repetir tranquilamente o número de vezes que for necessário. E, acredite, vão ser algumas).

TOME CONTA DE SI

No momento em que a criança chega as necessidades dos acolhedores passam para último lugar, mas estes devem lembrar-se de que o primeiro ano de integração da criança em casa é longo e que precisam de estar bem e tranquilos para poderem criar um ambiente feliz em casa. Procurem dormir o suficiente, ter momentos para recuperarem forças e tirarem umas horas para sair de casa e fazerem algo de que gostam. Isso ajudar-vos-á a regressar a casa mais pacientes, o que é fundamental para o bem-estar de todos.

BRINQUE COM A CRIANÇA

Brincar em conjunto é importante para todas as crianças e fundamental para todas as crianças em acolhimento, pois ajuda-as a criar e a fortalecer a vinculação. Sempre que a situação é difícil em casa, recomenda-se duplicar o tempo de brincadeira (dirigido pela criança) em conjunto. Leia mais sobre brincadeiras.

 

Leia mais sobre parentalidade terapêutica.

A saída de casa

A saída de uma criança de casa tem implicações difíceis na vida dos seus pais, mesmo que estes saibam que é por pouco tempo. É normal que surjam sentimentos de raiva, de tristeza ou zanga perante as pessoas que levaram a criança para longe, bem como sentimentos de culpa pela situação.
É importante que os pais saibam que as equipas estão a fazer o melhor que podem para que uma reencontro tenha lugar, assegurando-se de que a criança tem o bem-estar de que precisa durante a transição.
Este é o momento em que os pais devem colaborar com as equipas e com a família de acolhimento da criança, procurando pô-la em primeiro lugar.

 

Com a criança:
  • Procure tranquilizar a criança, explique que se vão separar durante um tempo, mas que ela vai ser muito bem tratada por uma família que tomará conta dela até tudo se resolver;
  • Diga-lhe que gosta muito dela e que isso nunca vai mudar;
  • Explique que a culpa do que aconteceu não é da criança, que por vezes os adultos têm vidas difíceis, mas que vai fazer o possível para tudo se resolver:
  • Explique à criança que continuará a vê-la e que podem falar ao telefone, mas não lhe faça falsas promessas;
  • Não fale mal da família de acolhimento à frente da criança, isso pode deixá-la insegura;

 

Com a família de acolhimento:
  • É natural que tenha sentimentos contraditórios com a família de acolhimento e que estes vão mudando ao longo do tempo. Reconheça que estes existem e procure trabalhar sobre eles;
  • Saiba que o seu lugar na vida da criança será sempre importante, a ligação de uma criança com os seus pais biológicos é muito forte;
  • Saiba que a família de acolhimento não deseja ocupar o seu lugar e que está a fazer o melhor que sabe para ajudar nesta altura complicada;
  • Saiba também que muitas famílias biológicas acabam por encontrar bons amigos na família de acolhimento e que surgem relações que podem durar muitos anos;
  • Procure estabelecer um plano com a família de acolhimento que sirva a todos (e à criança em primeiro lugar);
  • Saiba que é importante na vida da criança e que pode ajudar a família de acolhimento, a fazer com que a criança se sinta segura, trocando informações importantes;
  • Saiba que por vezes a família de acolhimento pode ajudar também, e que se pode criar uma troca boa para todas as partes;