Negligência

 

Durante muito tempo, não se conheciam com rigor as consequências da negligência no cérebro. Hoje, graças ao desenvolvimento de tecnologias de neuroimagem, os cientistas sabem que as hormonas de stress modelam a forma como este se desenvolve. As vivências de negligência afectam o desenvolvimento do cérebro, o que por sua vez condiciona o comportamento da criança e até pode ter impacto no seu sistema imunitário (um impacto que pode ser profundo, mas não irreversível, nos bebés e nas crianças mais novas).

Sabe-se que as vivências de negligência crónica afectam mais o desenvolvimento das crianças do que o abuso activo, mas estas recebem menos atenção. Quando os pais não conseguem compreender os efeitos do trauma e da negligência no desenvolvimento do cérebro podem pensar que as reacções de desafio, birra ou choro dos seus filhos são propositadas ou que eles as conseguem controlar quando querem e que poderiam evitá-las.

O facto de o cérebro das crianças que foram negligenciadas ser diferente do das outras é um dos motivos pelos quais as técnicas tradicionais de parentalidade não funcionam com crianças adoptadas ou funcionam apenas a curto prazo.

Muitas vezes, estratégias correctivas erradas (como bater ou gritar) funcionam a curto prazo, mas correm o risco de reforçar o trauma, levando a criança a dissociar e impedindo-a de criar um vínculo forte com os pais.

(Vídeo do Karyn Purvis Institute of Child Development com legendas em Português)

KARYN PURVIS, EM THE CONNECTED CHILD, EXPLICA COMO

«Quando um bebé nasce com uma condição como paralisia cerebral, a mãe pode ser feroz ao cuidar do seu filho/a. A criança e a sua mãe transformam-se numa equipa contra o mundo.
Os pais sabem que as dificuldades da criança não são um ataque pessoal, pois a criança não fez nada de propósito que a levasse a ter uma paralisia. Mas, com crianças que sofreram um trauma pré-natal ou precoce antes da adopção, é difícil perceber essas linhas ténues. As dificuldades da criança não parecem óbvias, pelo que os seus comportamentos perturbadores podem ser considerados um ataque aos pais. Este é o início de um círculo vicioso. A criança “age” (grita, cospe, morde, bate ou mente) ou “não age” (retira-se, esconde-se, foge, fica deprimida, mal-humorada, ou não responde). Algumas crianças alternam entre os dois modos em momentos diferentes. Os pais podem retaliar com castigos ou isolar a criança, o que a leva a viver novamente o abandono, a rejeição e a solidão do início da sua vida».

Isto não significa, obviamente, que o pai/mãe aceite os comportamentos inadequados da criança, apenas que deve aprender a lidar com eles de outro modo, tentando contextualizá-los para conseguir transformá-los.

FICHA DE APOIO

Compreender as consequências dos maus-tratos no cérebro, Child Welfare Information Gateway.

Ajudar as famílias adoptivas e de acolhimento a lidar com o trauma, American Academy of Pediatrics.