Alterações no processo de integração sensorial

 

O modo como organizamos e processamos a informação que nos chega através dos diferentes canais sensoriais chama-se de integração sensorial. Quando recebemos um estímulo externo (se ouvimos um som, por exemplo) ou interno do corpo, os sistemas sensoriais transmitem essa informação ao cérebro, para que o corpo emita a resposta adequada. É o sistema sensorial que nos leva a ser funcionais.

As primeiras investigações sobre o processamento sensorial tiveram lugar nos anos 1970, quando A. Jean Ayres investigou a forma como o cérebro processa a informação sensorial para a conseguir usar na aprendizagem, nas emoções e no comportamento. Ayres criou a Teoria de Integração Sensorial, actualmente usada na prática da Terapia Ocupacional e aplicada em pediatria e em educação na infância. Hoje em dia, sabe-se que existe uma relação entre o processamento da informação sensorial, alterações motoras e dificuldades no desempenho de actividades diárias.

Carol Kranowitz, em The Out-of-Sync Child Has Fun, explica como as alterações no processamento sensorial, a que também se chama Disfunção de Integração Sensorial, acontecem quando o cérebro processa de forma ineficaz as mensagens sensoriais vindas do próprio corpo e/ou do seu ambiente. Isto leva a que pessoa tenha dificuldade em responder de maneira adaptativa a sensações do dia-a-dia  que outras pessoas quase não percebem ou apreciam.

A maioria da população pensa que temos apenas 5 sentidos, mas na realidade existem mais dois: o sistema vestibular e o sistema propriocetivo.

 

O SISTEMA VESTIBULAR:
  • Tem os receptores localizados no ouvido interno. Estes transmitem informação acerca do movimento, da gravidade, do equilíbrio e do movimento do pescoço, olhos e cabeça;
  • Transmite a informação de quando a criança se move ou está parada e de quando existe ou não movimento dos objectos em relação ao seu corpo;
  • Diz qual a posição da cabeça e corpo em relação ao espaço, referindo igualmente a informação de para onde onde a pessoa quer ir e de quão rápido é possível deslocar-se.

 

O SISTEMA PROPRIOCEPTIVO:
  • Refere-se à informação sensorial que transmite informação sobre os movimentos e a posição do corpo;
  • Os receptores deste sistema estão localizados nos músculos, articulações, ligamentos e tendões; e os estímulos para estes receptores são o movimento e a gravidade.
  • As funções que estão inerentes a este sistema sensorial são:
    • Promover a consciência corporal e
    • Contribuir para o controlo e planeamento motor.
  • É responsável pela capacidade de expressão corporal e de movimentar as partes do corpo de forma eficaz;
  • Permite a integração de estímulos tácteis e vestibulares.

Geralmente, os sinais de alerta desta Disfunção são respostas incomuns a sensações tácteis, vestibulares e proprioceptivas. A visão, a audição, o olfacto e o paladar também podem estar envolvidos.

Em Raising a Sensory Smart Child, descrevem-se alguns problemas e o modo como estes apresentam variações significativas, sobretudo ao nível do:

 

Sistema táctil —  Sistema vestibular — Sistema propriocetivo — Sistema visual — Sistema auditivo

 

São inúmeros os estudos realizados que levaram os investigadores a perceber que existe uma maior incidência de alterações sensoriais em crianças adoptadas, em acolhimento ou negligenciadas na primeira infância.

Os motivos são fáceis de compreender: o facto de as crianças institucionalizadas terem menos cuidadores, leva a que as crianças nem sempre possam explorar ou desenvolver os sentidos como aconteceria se vivessem numa família. Quando as casas de acolhimento têm muitas crianças e poucos cuidadores, esta situação torna-se mais complicada, pois recebem menos colo, têm menos estímulos e interação, o que afecta o seu desenvolvimento e crescimento emocional e físico. Viver em ambientes de privação durante um determinado período de tempo numa fase tão precoce da criança, poderá afectar o desenvolvimento do cérebro naquele que se considera o «período crítico» da maturação cerebral, onde são necessárias diversas experiências para que o cérebro se desenvolva normalmente.

Carol Kranowitz, em The Out-of-Sync Child Has Fun, explica como «A criança que evita sensações comuns ou procura excessivamente um estímulo, cujo corpo não coopera, cujo comportamento é difícil e que não se “encaixa” é a nossa criança fora de sincronia. Esta recebe as mesmas informações sensoriais do que toda a gente. Também recebe informações tácteis sobre a roupa que toca na sua pele e recebe informação vestibular enquanto se movimenta no baloiço do parque, ouve um cão a latir, cheira uma banana, mastiga torradas e vê pessoas a ir e vir. Mas, contrariamente à maioria das pessoas, a criança pode interpretar mal ou ser incapaz de usar bem essas informações.

POR EXEMPLO:
  • Pode ter uma birra porque a etiqueta na sua camisola lhe arranha a pele;
  • Pode engasgar-se com cheiros e texturas de comida, ou enfiar todos os tipos de coisas na boca, comestíveis ou não;
  • Pode-se encolher quando recebe estímulos visuais, como luzes de neón a piscar, ou ignorar a visão de carros a andar e correr despreocupadamente para a rua»
  • Pode não perceber que tem as calças viradas ao contrário;
  • Pode entrar em pânico quando o cão ladra em saudação, ou ignorar a ânsia do cão em derrubá-la;
  • Pode sentir-se enjoada ao andar de baloiço por alguns segundos ou persistir em andar nele durante um tempo infinito;
SAIBA QUE:

A maioria das crianças adoptadas apresenta um temperamento mais difícil, é menos competente na capacidade de auto-regulação e mais sensível aos estímulos sensoriais, apresentando um comportamento mais activo e de irritabilidade persistente;

A falta de estímulos sensoriais adequados na primeira infância (as diminuídas oportunidades de colo, de interacção com um cuidador preferencial e a privação de exploração ambiental) pode resultar em hiper ou hipo-sensibilidade sensorial;

As crianças adoptadas de outro país, particularmente de orfanatos sobrelotados, apresentam maior risco de desenvolver alterações no processamento sensorial;

As crianças com distúrbios no processamento sensorial são propensas a apresentar dificuldades nas competências verbais e não verbais, atenção e concentração, motricidade global e fina, linguagem e nas competências sociais.

Aprender mais sobre as alterações no processamento sensorial pode ajudar os pais a identificar alguns comportamentos estranhos da criança (e a distinguir birras de dificuldades de auto-regulação, que podem ser ultrapassadas com ajuda). Por exemplo, basta alguns minutos dentro de um centro comercial, supermercado ou um sítio barulhento para algumas crianças começarem a fazer birras terríveis. Se os pais começarem a perceber que existe um padrão no comportamento da criança em locais com muito ruído, poderão conseguir antecipar e evitar dificuldades. Poderão perceber que o seu filho/a é sensível ao som ou a luzes demasiado fortes e tomar medidas que lhes permitam ajudá-lo (por exemplo, tapar-lhe os ouvidos com auscultadores ou, como fez uma mãe, abrir um chapéu–de-chuva dentro do supermercado, para que a sua filha pudesse ficar tranquilamente sentada dentro do carrinho de compras).

Se o seu filho/a parece cheirar coisas que aqueles que se encontram à sua volta não são capazes de percepcionar, se tem um ouvido excepcional, se abomina ter coisas sujas nos dedos, se gosta de ver peões rodar, entre muitas outras coisas, pode pedir ajuda a um profissional qualificado e fazer uma avaliação específica que o ajudará a compreender melhor as suas reacções.

PROCURE PERCEBER SE O SEU FILHO/A:
  • Fica angustiado com sons agudos ou estridentes;
  • É reactivo a perfumes e a outros odores;
  • Fica agitado por imagens e cenas visuais vibrantes e animadas;
  • É avesso a muitos sabores e texturas alimentares;
  • É desajeitado, sem equilíbrio e coordenação;
  • É distraído ou choroso;
  • Tem medo de coisas novas, dizendo muitas vezes «não consigo»;
  • É agressivo, ataca muitas vezes e diz «não vou»;
  • É invulgarmente activo ou inactivo, ou ambos;
  • É propenso a explosões;
  • Não quer usar certas roupas;
  • Não quer comer certos alimentos;
  • É demasiado sensível ou pouco sensível ao toque;
  • É incapaz de participar em desportos colectivos;
  • Fica desorientado quando levanta ou baixa a cabeça.
OBSERVE QUANDO A CRIANÇA:

— Usa as pontas dos dedos em vez das mãos inteiras para manipular objectos;

— Evita ou anseia sujar as mãos;

— Tem problemas em usar e coordenar os dois lados do corpo;

— Tem dificuldades na organização de tarefas académicas, a copiar do quadro ou em seguir as instruções dos professores;

— Tem um colapso comportamental apenas por ser atropelado por outras crianças numa fila na escola.

Mesmo que a criança não tenha dificuldades de integração sensorial, algumas das técnicas sugeridas nos livros são fantásticas e permitem evitar comportamentos como birras e facilitam o processo de vinculação.

A intervenção de um terapeuta ocupacional com formação especializada nesta área, incluído numa equipa multidisciplinar, numa fase precoce, poderá prevenir alterações no processamento sensorial, a fim de promover um desenvolvimento harmonioso e, por conseguinte, um desempenho ocupacional adequado da criança.

BRINCADEIRAS QUE ALGUNS PAIS DIZEM TER AJUDADO
  • Cozinhar com a criança;
  • Usar um cobertor pesado ou lençóis sensoriais quando a criança tem dificuldades em adormecer;
  • Dar a experimentar comida com texturas diferentes e deixar a criança explorar livremente (observando o resultado).
OUTRAS ESTRATÉGIAS

→ Quando percebe um determinado padrão de comportamento (reacção a luzes ou ruídos fortes, sobrestimulação em sítios com muita gente, etc.), avise a criança antes e dê-lhe oportunidade para se habituar lentamente à mudança.

→ Informe-se – compreender melhor a criança ajuda-o a encontrar brincadeiras, a antecipar birras e dificuldades e a compreender melhor o seu filho/a.

LER MAIS

Weighted Items: Tools for Helping Children Learn to Regulate, Karyn Purvis Institute of Child Development.

A. Jean Ayres, Sensory Integration and the Child, Western Psychological Services, 2006.

OUTROS SITES

7 senses – Integração Sensorial Portugal

Sensory Integration Global Network  O conteúdo deste site foi escrito e compilado por muitos dos melhores investigadores e clínicos da Integração Sensorial de Ayres®.