CRIANÇA REAL
1. A criança
2. Dificuldades
3. A criança puzzle
4. Consequências do acolhimento
5. Vinculação
6. Negligência
7. Trauma
8. Abuso sexual
Negligência
Durante muito tempo, não se conheciam com rigor as consequências da negligência no cérebro. Hoje, graças ao desenvolvimento de tecnologias de neuro-imagem, os cientistas sabem que as hormonas de stress modelam a forma como este se desenvolve. A negligência afecta o desenvolvimento do cérebro, que por sua vez condiciona o comportamento da criança e até pode ter impacto no seu sistema imunitário (um impacto que pode ser profundo nos bebés e nas crianças mais novas).
No Center on the Developing Child, da Universidade de Harvard, explica-se como:
«A ausência de resposta por parte dos pais à criança representa uma séria ameaça ao seu desenvolvimento e bem-estar. Isto acontece porque o cérebro percepciona uma ameaça e activa os sistemas de resposta biológica ao stress. A activação excessiva desses sistemas pode ter um efeito tóxico no desenvolvimento dos circuitos cerebrais. Quando a falta de resposta persiste, os efeitos adversos do stress tóxico podem agravar as oportunidades perdidas de desenvolvimento associadas à interação limitada ou ineficaz. Esse impacto complexo da negligência no cérebro em desenvolvimento ajuda a perceber por que tem efeitos tão prejudiciais nos primeiros anos de vida. Também demonstra por que é que as intervenções efetivas e precoces têm resultados significativos a longo prazo tanto no desempenho educacional, como na saúde ao longo da vida e na educação de crianças bem-sucedidas».
Sabe-se que a negligência crónica afecta mais o desenvolvimento das crianças do que o abuso activo, mas esta recebe bem menos atenção. O facto de os pais não conseguirem compreender bem os efeitos do trauma e da negligência no desenvolvimento do cérebro pode levá-los a pensar que as reações de desafio, birra ou choro das suas crianças são propositadas ou que conseguem controlá-las quando querem e que poderiam evitá-las (Ler Birras).
O facto de o cérebro das crianças que foram negligenciadas ser diferente é um dos motivos pelos quais as técnicas tradicionais de parentalidade tradicionais não funcionam com crianças em acolhimento ou funcionam apenas a curto prazo. Muitas vezes, estratégias correctivas erradas (como bater ou gritar), funcionam a curto prazo, mas correm o risco de reforçar o trauma, levando a criança a dissociar (ler aqui) e impedindo-a de criar um vínculo forte com os pais.
Veja o seguinte vídeo sobre as consequências do stress tóxico no cérebro (legendas em português):
KARYN PURVIS, EM THE CONNECTED CHILD, EXPLICA COMO:
Quando um bebé nasce com uma condição como paralisia cerebral, a mãe pode ser feroz ao cuidar do seu filho/a. A criança e a sua mãe transformam-se numa equipa contra o mundo. Os pais sabem que os problemas da criança não são um ataque pessoal – a criança não fez nada de propósito que a levasse a ter uma paralisia. Mas com crianças que sofreram trauma pré-natal ou precoce antes da adopção, é difícil perceber essas linhas ténues. Os problemas da criança não parecem óbvios, pelo que os seus comportamentos perturbadores podem ser considerados um ataque aos pais. Este é o início de um ciclo vicioso. A criança “age” (grita, cospe, morde, bate ou mente) ou “não age” (retira-se, esconde-se, foge, fica deprimida, mal-humorada, ou não responde). Algumas crianças alternam as duas coisas em momentos diferentes. Os pais podem retaliar com punições ou isolar a criança, o que leva o/a seu filho/a a vivenciar novamente abandono, rejeição e a solidão do início da sua vida.
FICHAS DE APOIO
Compreender as consequências dos maus-tratos no cérebro, Child Welfare Information Gateway.
Ajudar as famílias adoptivas e de acolhimento a lidar com o trauma, American Academy of Pediatrics.