Negligência

 

Durante muito tempo, não se conheciam com rigor as consequências da negligência no cérebro. Hoje, graças ao desenvolvimento de tecnologias de neuro-imagem, os cientistas sabem que as hormonas de stress modelam a forma como este se desenvolve. A negligência afecta o desenvolvimento do cérebro, que por sua vez condiciona o comportamento da criança e até pode ter impacto no seu sistema imunitário (um impacto que pode ser profundo nos bebés e nas crianças mais novas).

No Center on the Developing Child, da Universidade de Harvard, explica-se como:

«A ausência de resposta por parte dos pais à criança representa uma séria ameaça ao seu desenvolvimento e bem-estar. Isto acontece porque o cérebro percepciona uma ameaça e activa os sistemas de resposta biológica ao stress. A activação excessiva desses sistemas pode ter um efeito tóxico no desenvolvimento dos circuitos cerebrais. Quando a falta de resposta persiste, os efeitos adversos do stress tóxico podem agravar as oportunidades perdidas de desenvolvimento associadas à interação limitada ou ineficaz. Esse impacto complexo da negligência no cérebro em desenvolvimento ajuda a perceber por que tem efeitos tão prejudiciais nos primeiros anos de vida. Também demonstra por que é que as intervenções efetivas e precoces têm resultados significativos a longo prazo tanto no desempenho educacional, como na saúde ao longo da vida e na educação de crianças bem-sucedidas».

 

Sabe-se que a negligência crónica afecta mais o desenvolvimento das crianças do que o abuso activo, mas esta recebe bem menos atenção. O facto de os pais não conseguirem compreender bem os efeitos do trauma e da negligência no desenvolvimento do cérebro pode levá-los a pensar que as reações de desafio, birra ou choro das suas crianças são propositadas ou que conseguem controlá-las quando querem e que poderiam evitá-las (Ler Birras).

O facto de o cérebro das crianças que foram negligenciadas ser diferente é um dos motivos pelos quais as técnicas tradicionais de parentalidade tradicionais não funcionam com crianças em acolhimento ou funcionam apenas a curto prazo. Muitas vezes, estratégias correctivas erradas (como bater ou gritar), funcionam a curto prazo, mas correm o risco de reforçar o trauma, levando a criança a dissociar (ler aqui) e impedindo-a de criar um vínculo forte com os pais.

 

Veja o seguinte vídeo sobre as consequências do stress tóxico no cérebro (legendas em português):

KARYN PURVIS, EM THE CONNECTED CHILD, EXPLICA COMO:

 

Quando um bebé nasce com uma condição como paralisia cerebral, a mãe pode ser feroz ao cuidar do seu filho/a. A criança e a sua mãe transformam-se numa equipa contra o mundo. Os pais sabem que os problemas da criança não são um ataque pessoal – a criança não fez nada de propósito que a levasse a ter uma paralisia. Mas com crianças que sofreram trauma pré-natal ou precoce antes da adopção, é difícil perceber essas linhas ténues. Os problemas da criança não parecem óbvios, pelo que os seus comportamentos perturbadores podem ser considerados um ataque aos pais. Este é o início de um ciclo vicioso. A criança “age” (grita, cospe, morde, bate ou mente) ou “não age” (retira-se, esconde-se, foge, fica deprimida, mal-humorada, ou não responde). Algumas crianças alternam as duas coisas em momentos diferentes. Os pais podem retaliar com punições ou isolar a criança, o que leva o/a seu filho/a a vivenciar novamente abandono, rejeição e a solidão do início da sua vida.

Isto não significa, obviamente, que aceite os comportamentos inadequados da criança, apenas que deve aprender a lidar com eles de outro modo, tentando contextualizá-los para conseguir transformá-los.
FICHAS DE APOIO

Compreender as consequências dos maus-tratos no cérebro, Child Welfare Information Gateway.

Ajudar as famílias adoptivas e de acolhimento a lidar com o trauma, American Academy of Pediatrics.