FAMÍLIA E AMIGOS
1. Importante saber
2. Ideias a repensar
3. Como ajudar?

Ideias a repensar:

 

«Os pais que adoptam são generosos e as crianças têm muita sorte»

Estas duas frases geralmente surgem em conjunto e deixam tanto as crianças como seus pais adoptivos muito desconfortáveis. Se as crianças tivessem tido sorte não precisariam de ser adoptadas. Os pais adoptivos não são pessoas melhores do que outras ou mais generosos. Há muitas formas de constituir família e a adopção é uma delas.

«Ele é tão carinhoso!»

Quando a criança chega à sua família, pode abraçar indiscriminadamente familiares e amigos dos pais que acabou de conhecer ou chamar mãe às mulheres que lhe surgem pela frente. Familiares e amigos poderão achar encantador o modo como a criança que acabaram de conhecer os abraça, se senta ao seu colo ou lhes pede ajuda, mas o comportamento tem de ser lido à luz do passado da criança, sendo necessário contextualizá-lo, para que todos compreendam que este resulta de algo que a criança aprendeu num ambiente institucional, quando precisava de ser encantadora para chamar a atenção.

Nos primeiros meses em casa, a criança vai aprender lentamente que os seus pais cuidam dela e a sua sensação de segurança aumentará, começando a distinguir estranhos, de amigos, e estes da família mais próxima.

É importante serem os pais a alimentar a criança, a trocar-lhe as fraldas e a tomar conta dela quando cai. Antes de oferecerem uma bolacha, os familiares ou amigos dos pais podem por exemplo pedir autorização aos pais da criança à sua frente.

 

«São só uns doces, que mal podem fazer?»

Se ler as secções Trauma, Negligência e Saúde descobrirá que a institucionalização de uma criança tem efeitos na sua saúde. Aquando da chegada à família, alguns pais vão descrever a energia inesgotável da criança, enquanto outros se preocuparão com a sua aparente apatia. Estudos comprovam que, por exemplo, os valores de histamina se encontram elevados nas crianças que foram institucionalizadas e que, como muitas vezes estas têm dificuldades de auto-regulação, é preciso ter cuidado com o açúcar que ingerem.

Por um lado, os pais têm de se lembrar de dar comida às crianças de duas em duas horas, para que o nível de açúcar se mantenha. Por outro, muitos doces levam as crianças a ficar com um comportamento agitado que quase certamente acabará numa grande birra. Por último lugar, os doces podem ser um instrumento importante de vinculação (leia Alimentação), pelo que devem ser os pais a gerir quando os devem dar.

«Têm de disciplinar melhor o vosso filho/a»

Os pais adoptivos precisam de ter na sua caixa de ferramentas a capacidade de fazerem aquilo a que se chama de «parentalidade terapêutica» (ou seja, de serem capazes de se tornar em figuras protectoras para a criança, capazes de ser firmes quando é necessário, mas não castigadores).

Se ler as secções Trauma, Negligência e Saúde descobrirá que o cérebro da criança que foi adoptada pode apresentar diferenças em relação ao de crianças que cresceram numa família amorosa. A parentalidade tradicional não funciona com as crianças que foram adoptadas e adia o processo de vinculação, porque traz ao de cima reacções de medo e trauma.

Lembre-se de que o caminho da adopção é uma maratona, não é uma corrida de velocidade. A criança, principalmente se foi adoptada quando era mais velha, vai levar tempo até conseguir ter reacções adequadas, até saber lidar com a frustração ou controlar as suas birras. Informe-se, essa é a melhor maneira de ajudar os pais.

 

«Ele não come nada e vocês não insistem» / «Não queres provar?»

A ideia de se sentarem à mesa para uma refeição nem sempre é vista com alegria por parte das crianças que viveram durante algum tempo em instituições. As refeições são fonte de stress e não de partilha familiar. A primeira missão das famílias adoptivas é procurarem demonstrar que a refeição é um espaço tranquilo e familiar agradável. A comida é secundária numa primeira fase, em que o importante é que a criança ou o adolescente confie na sua nova família.

À mesa deverá haver sempre pratos familiares e algo desconhecido que a criança pode ou não optar por provar (sem ser recriminada). A longo prazo, e com confiança, a criança seguirá o modelo alimentar da família e aprenderá a comer com prazer. Saiba mais.

«É só uma prenda»

As crianças que foram institucionalizadas têm uma relação complicada com bens materiais, porque não os tiveram ou precisaram de os partilhar desde cedo. Isto significa que vão querer ter todos os brinquedos, mas, nos primeiros tempos, irão entrar em sobre-estimulação. A família precisa de confiar nos pais e de lhes pedir autorização antes de oferecerem prendas.

Lembrem-se de que, apesar de o mais importante ser as crianças sentirem o prazer de terem agora uma família só para si, muitas delas dão demasiada importância a objectos materiais, usando-os na escola para fazer amigos (em vez de trabalharem na sua auto-estima).

Lembrem-se também de que os pais estão a tentar ensinar às crianças que agora não precisam de fazer coisas como roubar ou pedir coisas a estranhos, pois são capazes de assegurar as suas necessidades. Se oferecerem prendas sem perguntar aos pais, estes podem ver-se em sarilhos. A melhor coisa que avós, outros familiares e amigos podem fazer a longo prazo pela criança é oferecer-lhe tempo, uma ida ao cinema, uma ida ao Oceanário, e não brinquedos.

 

«Não posso dar comida ao meu neto?»

Sugerimos a leitura da secção Casulo. Haverá muito tempo para avós e família alargada darem toda a comida à criança, mas nos primeiros tempos deixem ser os pais a assegurar as necessidades mais elementares da criança, pois isso ajudá-los-á a reforçar a vinculação.

«Os pais adoptivos são pessoas generosas / Tens muita sorte»

Há comentários que, principalmente quando são ditos à frente das crianças, têm um impacto negativo. Os pais podem ter decidido adoptar por motivos muitos diferentes, mas isso não faz deles à partida pessoas mais generosas ou melhores do que as outras. Este é o aspecto em que tantos os pais como as crianças querem apenas ser iguais a todas as outras famílias.

Uma criança que foi adoptada não teve sorte alguma, caso contrário estaria com a sua família biológica e não teria sofrido o trauma da separação. Estes comentários são muitas vezes ditos para ajudar os pais, mas têm um efeito negativo na cabeça da criança, cujo amor-próprio já é tantas vezes diminuto.

 

«Porque não me respondes, a criança nem está a ouvir»

Porque os primeiros tempos em família costumam ser intensos, familiares e amigos aproveitam todas as oportunidades para lhes fazerem perguntas. Acontece que as crianças, mesmo quando parecem estar distraídas, estão geralmente a prestar mais atenção do que se pensa. Assim, evite colocar pais e crianças numa posição difícil e não faça perguntas ou comentários quando elas estão presentes.

Os pais devem aproveitar estas ocasiões para elogiar a criança, e não para a criticar, isso melhorará a relação entre todos.

«Como é que sofreu um trauma se foi adoptado à nascença? Não se lembra de nada»

Estudos recentes e livros como The Primal Wound, de Nancy Verrier, demonstram que, mesmo que a separação da mãe tenha sido à nascença, esta terá efeitos no desenvolvimento do bebé.

A ausência da figura de vinculação (o facto de deixar de sentir o cheiro, toque, etc., da mãe biológica) é sentida pelo bebé, deixando marcas. Há sempre uma sensação de perda na adopção, que deve ser compreendida, para bem da criança. Saiba mais.

 

«Tem seis anos, mas parece ter quatro»

Muitas famílias fazem o erro de assumir que a idade cronológica da criança e a sua idade emocional ou o seu desenvolvimento são iguais. Eileen Mayers Pasztor, uma mãe adoptiva, assistente social e que recebe crianças em acolhimento familiar, desenhou um puzzle, para procurar compreender melhor a idade real das crianças com quem contacta. Ajuda se a família alargada e amigos aprenderem a identificar (e a agir consoante) a idade de desenvolvimento e emocional da criança e não da sua idade cronológica (que é muitas vezes enganadora). Saiba mais.