Chegada da criança

 

A chegada da criança exige mudanças de rotina para todos, mas sobretudo para ela, que tem de se habituar a uma família desconhecida, a uma casa nova, com outros cheiros, rotinas, regras e muitas vezes a uma nova escola. Não é fácil as crianças deixarem as suas casas e é normal que se lembrem com saudades do seu bairro, pais e escola. Podem não querer sentir-se bem ou rejeitar a família de acolhimento por medo de ali ficarem para sempre ou sentirem lealdades divididas entre esta família que trata bem a criança e a sua família de origem. É normal que haja explosões, birras, ou que a criança pareça triste e apática. Cabe à família de acolhimento ter paciência, ser encorajadora sem ser invasiva, deixando a criança fazer o luto.

AS FASES DE LUTO

As crianças que chegam a uma família de acolhimento passam por um processo de luto, que inclui as fases de choque ou negação, raiva, desespero e aceitação ou pelo menos compreensão. A separação da família de origem é difícil para todas as crianças, independentemente do motivo da integração. As crianças costumam mostrar as suas reacções emocionais a abusos anteriores e à separação da família através dos seus comportamentos.

A seguir, é apresentada uma descrição dos estágios do processo de luto e dos comportamentos típicos que uma criança pode manifestar em cada etapa. A duração do processo de luto varia para cada criança. Embora a maioria das crianças sinta aceitação ao final de um período de seis meses, algumas ajustam-se mais rapidamente e outras demoram muito mais.

 

Fonte: Foster Parent Handbook, Iowa Department of Human Services.

Choque ou negação (fase da lua de mel): emoções reprimidas

  • As emoções podem estar ausentes, parecer superficiais ou sombrias;
  • A criança pode parecer ausente ou dormir muito;
  • Pode comer demasiado ou recusar alimentos;
  • Pode negar que alguma coisa aconteceu;
  • Pode parecer confusa;
  • Pode tentar ser um filho modelo;
  • Pode regredir e chupar no dedo ou fazer xixi na cama;

Raiva: manifestação de sentimentos

  • Percebe as implicações de viver com a nova família;
  • Pode partir coisas, fazer birras, gritar, chorar, incendiar coisas, roubar, mentir, agir sexualmente, tentar fugir;
  • Pode ser agressivo ou perturbador em casa ou na escola;
  • Pode ser ansioso, tenso e hiperactivo;
  • Pode recusar-se a conversar com ou sobre a família de origem;
  • Pode achar que é o culpado pela saída de sua casa.

Desespero: sentimentos interiorizados

  • Aceita a realidade da integração na nova casa e percebe que o regresso à família pode não ter lugar em breve;
  • Pode ficar deprimida, ausente;
  • Não deseja interagir com outras pessoas, faz poucas perguntas;
  • Pode parecer desorganizada, inquieta.
  • Pode estar preocupado com coisas e não com as pessoas;
  • Pode regredir para um período anterior da vida, quando as coisas eram mais felizes;
  • Pode ter queixas físicas, como dores de estômago;
  • Pode magoar-se.

Aceitação

  • Sente e age com segurança no ambiente.
  • Procura novas actividades e começa a investir emocionalmente.

 

ALGUMAS DICAS PARA SUAVIZAR ESTE PERCURSO

A seguir, apresentamos algumas sugestões que podem ajudar a lidar com a criança na fase de luto.

Choque e negação
  • Receba a criança com calma e sem fazer grandes festas. A criança já se sente constrangida, assustada e confusa;
  • Evite ocasiões sociais. Estabeleça uma rotina regular o mais rápido possível e deixe para mais tarde as celebrações de boas-vindas;
  • Explique e discuta os motivos da integração da criança em sua casa a um nível que ela possa perceber e num tom de voz suave e tranquilizador. Repita essas informações sempre que necessário;
  • Forneça informações factuais sobre a localização e o paradeiro dos pais e irmãos;
  • Respeite os sentimentos da criança pelo seu passado. Não faça perguntas. Informe a criança que a porta está aberta se ela quiser falar;
  • Respeite os pais da criança e a lealdade da criança para com eles. Os pais da criança são importantes;
  • Apoie os encontros com a família de origem;
  • Deixe que a criança tenha objetos de valor e dê-lhe um lugar seguro onde os pode guardar;
  • Reserve tempo;
  • Concentre-se no bom comportamento da criança. Embora possa parecer mais fácil concentrar-se e punir o comportamento errado, geralmente é mais útil recompensar o bom comportamento da criança;
  • É importante sublinhar tudo aquilo que a criança faz bem e o quanto gosta nela, bem como o que deseje que ela aprenda ou mude. Uma criança em acolhimento pode duvidar inicialmente das suas observações positivas, mas se for sincero e persistente, a criança começará a acreditar em si e a desenvolver uma melhor auto-imagem;
  • Evite ameaças. Frases como “vou contar à equipa de acolhimento” ou “envio-te de volta para casa” deixam impressões dolorosas, e aumenta o sentido de vulnerabilidade da criança. A criança já perdeu uma ou mais casas e sente-se ameaçada com a possibilidade de perder outra. A longo prazo, isso prejudica a sensação de segurança da criança e é destrutivo ela;
  • Todos os membros da família devem concentrar-se em ajudar a criança a sentir-se mais confortável;
  • Use as tarefas domésticas de forma construtiva. Dê responsabilidades à criança de acordo com a sua idade e que não sejam nem muitas, nem poucas. Reconheça a criança quando faz bem estas tarefas. As responsabilidades domésticas apropriadas aumentam o sentido de pertença da criança;
  • Ajude a criança a aceitar os seus pontos fortes e as suas limitações e não ultrapasse as capacidades da criança.
Raiva
  • Explique à criança que é normal ficar zangada;
  • Mostre maneiras aceitáveis de se zangar – nadar, desenhar, correr, conversar, dar murros na almofada, etc.;
  • Ajude a criança a compreender que ela não é a culpada por ter saído de casa;
  • Explique novamente por que está a criança numa família de acolhimento;
  • Se a criança contar histórias exageradas, não as ridicularize ou discuta;
  • Determine com a equipa de acolhimento o que é real;
  • Reserve tempo para a criança.
Desespero
  • Incentive a criança a falar sobre os seus sentimentos;
  • Pergunte, mas não investigue, como se sente a criança;
  • As bonecas e outras figuras podem ajudar as crianças a expressar os seus sentimentos através da brincadeira;
  • As crianças mais velhas devem ser apoiadas e ajudadas a expressar as suas mágoas e preocupações;
  • Deve interessar-se pela criança e fazer-lhe um livro de vida;
  • Mostre respeito pelos seus sentimentos e dê-lhe abraços e toques tranquilizadores.
Aceitação
  • Permita que a criança se lembre, converse e tenha contacto com a família de origem. Continue a trabalhar com a criança no seu livro de vida.
  • Proporcione novos interesses à criança e dê-lhe oportunidade para desenvolver novos relacionamentos.
REGRAS

Ajuda muito se os cuidadores explicarem algumas regras simples às crianças quando estas chegam. Lembrem-se de que não há nada pior do que a incerteza.

→  Explicar o que pode a criança fazer se acordar a meio da noite (como pedir ajuda e onde ir)

→  Descrever como vai ser o dia seguinte por palavras simples (acordar, tomar o pequeno-almoço, etc.). Ou deixar um calendário (que pode ser visual, se a criança ainda não souber ler) no quarto que a criança pode consultar se precisar;

→  Deixar comida à mão (um pacote de leite, uma barra de cereais, uma sanduíche para se a criança acordar a meio da noite com fome) para que a criança saiba que não vai passar fome em casa;

→  Pode-se deixar o pequeno-almoço do dia seguinte preparado para que ela saiba que tencionam dar-lhe comida;

→  Não seja invasivo ou converse muito, procure dar tempo à criança para se habituar a si;

→  Lave os dentes com a criança para que ela aprenda a fazê-lo;

→  Crie uma rotina consistente, mas não insista muito em regras, nem seja disciplinador nos primeiros dias;

→  Lembre-se de que sua missão mais importante é a de convencer a criança de que está num lugar seguro;

→  Saiba que muitas crianças sentem vergonha e culpa pelo que lhes aconteceu, seja gentil.