Normalidade adoptiva

 

As crianças que foram adoptadas não são necessariamente mais difíceis do que as outras, mas tanto um bebé adoptado à nascença, como uma criança que chegou a casa dos seus pais adoptivos aos cinco anos terão à partida de lidar com a dificuldade acrescida de precisarem de compreender e aceitar o seu passado.

Os pais adoptivos, ao contrário dos pais biológicos, têm a tarefa adicional de ajudar os seus filhos/as a aceitar o seu início de vida. Precisam, por isso, de conhecer as consequências que as experiências de trauma e de negligência podem ter no cérebro das crianças e de treinar aquilo a que se chama de parentalidade terapêutica (a capacidade de os pais contextualizarem os comportamentos difíceis das crianças e de saber responder-lhes de forma calma e paciente).

Cuidar de crianças adoptadas não é o mesmo do que tomar conta de crianças que não o são. Aprender a conhecer a criança exige tempo e paciência. Criar uma vinculação segura é um processo lento e demorado, tanto da parte dos pais como da criança, devendo estes estar preparados para lidar com as dificuldades e ser capazes de pensar a longo prazo, evitando estratégias inadequadas, como bater, gritar ou dar grandes sermões.

Muitos pais perguntam-se se as dificuldades dos seus filhos se devem, ou não, ao facto de terem sido adoptados. Veja o vídeo de Karyn Purvis, autora de The Connected Child, a este respeito.

CARACTERÍSTICAS, COMPORTAMENTOS E QUESTÕES EMOCIONAIS COMUNS NAS CRIANÇAS ADOPTADAS

Dificuldade em lidar com mudanças, como uma transferência de escola, uma professora nova de ballet, uma mudança de casa, etc. A regra de ouro da adopção é a «estabilidade de rotinas, de pessoas e de sítios»;

Dificuldade em lidar com a morte ou a doença de alguém próximo ou de um animal de estimação (estes acontecimentos podem fazer reaparecer comportamentos que os pais julgavam ter ajudado a ultrapassar, como birras ou pesadelos);

Dificuldade em ler pistas sociais (alguns dos exercícios propostos no site ajudam a integrar a relação entre aquilo a que se chama os dois hemisférios do cérebro);

Idade emocional abaixo da idade «real» (segundo Johanne Lemieux, a criança adoptada terá uma diferença de dois anos a nível emocional em relação à sua idade actual);

Dificuldade em lidar com transições, ou seja, em passar de uma tarefa para a seguinte;

• Dificuldade para fazer as coisas numa sequência lógica ou na ordem sugerida;

Má noção do tempo;

Reacções de medo perante coisas simples, bem como a gritos ou por vezes a uma voz mais ríspida;

Pesadelos ou dificuldade em adormecer sozinho/a;

• Enurese ou encoprese (sobretudo no primeiro ano depois da adopção);

• Em adolescentes ou adultos, dificuldade em pôr fim a uma relação, mesmo quando esta não é satisfatória;

Dificuldade em tomar decisões que não sejam para agradar aqueles de quem as crianças ou os adolescentes mais gostam;

Problemas de aprendizagem;

Dificuldades de integração sensorial.

Dificuldade em reflectir sobre vários pensamentos ou ideias ao mesmo tempo;

• Dificuldade em antecipar os resultados ou consequências das suas acções (impulsividade);

• Dificuldade em gerir a frustração e a resposta emocional, pensando racionalmente;

• Dificuldade em desviar-se das regras ou da rotina;

• Necessidade de testar os pais.

SAIBA, CONTUDO, QUE

1. Estas características não são exclusivas de crianças adoptadas. Muitos adultos e crianças que passaram por dificuldades também as têm, mas uma criança biológica pode ter ou não estas características, enquanto a criança adoptada tê-las-á certamente.

2. 100% das crianças adoptadas vive dentro da normalidade adoptiva (que inclui os comportamentos mencionados em cima).

3. Essas características são particularmente intensas no primeiro ano após a adopção e depois têm tendência a diluir-se, podendo surgir em ocasiões marcantes ou de mudança ao longo da vida.

4. A maioria das crianças, adolescentes e adultos adoptados (cerca de 70% ou 75% dos casos) possuirá unicamente algumas das características mencionadas, como a dificuldade em lidar com mudanças ou o medo de perder pessoas que lhes são queridas).

5. As demais crianças, de 25 a 30%, terão necessidades adicionais mais ou menos exigentes (de acordo com cada caso), podendo estas ser a nível escolar, atrasos no desenvolvimento ou alguns problemas de saúde.

6. As características da normalidade adoptiva não são patologias graves, não são defeitos, nem distúrbios graves e persistentes. São características previsíveis e normais de pessoas que passaram por um conjunto de provações físicas e psicológicas na infância, antes de terem sido adoptadas por famílias que finalmente souberam responder correctamente às suas necessidades.

7. O facto de essas características da normalidade adoptiva não serem patologias graves não significa que as crianças adoptadas enfrentem os mesmos desafios do que as crianças biológicas. Optar pela adopção é escolher as ferramentas adicionais relacionadas com a normalidade adoptiva. É esse o motivo pelo qual devemos estar familiarizados com o conceito.

Fonte primária: Johanne Lemieux, La Normalité Adoptive. Montreal: Les Éditions Québec Amérique, 2013.
Fonte secundária: Ross W. Greene, The Explosive Child. NY: Harper, 2014.

FICHA DE APOIO

O Impacto da Adopção, Child Welfare Information Gateway.

RECURSOS NOUTRAS LÍNGUAS

How do I help my child?, Karyn Purvis Institute of Child Development.

La aventura de convertirse en familia, Biblioteca Pos-Adopción.

Johanne Lemieux, La Normalité Adoptive. Montreal: Les Éditions Québec Amérique, 2013.