Adopção trans-racial

 

«Uma das coisas mais importantes que os meus pais fizeram por mim e pelos meus irmãos foi preparar-nos para navegar num mundo em que somos estereotipados, considerados inferiores, ou pior. Além das necessidades normais da parentalidade, os meus pais tiveram o fardo adicional de tentar desenvolver o nosso amor próprio quando as mensagens à nossa volta eram insidiosas e implacáveis. O mundo dizia-nos que as crianças negras como nós não eram tão bonitas, inteligentes ou capazes como as outras. Os meus pais tiveram de manter uma vigilância constante enquanto eu ia para a escola, brincava com amigos, etc. Tentaram ter a certeza de que eu estava emocional e fisicamente protegida do espectro sempre presente do racismo. E foram os meus pais que me mostraram, através da sua sabedoria adquirida a duras penas, o que é a resistência, a resiliência e o orgulho racial. Tudo isso é um fardo que os pais brancos têm o luxo de evitar. Mas vocês não, se tiverem um filho negro.»

, Race Matters: “As a White Woman, Can I Adopt a Black Child?

 

Os adultos adoptados que viveram com famílias que não partilham a sua identidade racial ou cultural têm explicado como lhes é difícil sentirem-se incluídos na cultura dos seus pais biológicos. Esta sensação de não pertença, e por vezes de vergonha ou rejeição da sua cor de pele, pode surgir durante a infância, na adolescência e na idade adulta. Cabe à família adoptiva perceber que é no melhor interesse da criança (e que esta tem o direito de) frequentar uma escola onde existem outras crianças que partilham a sua identidade racial ou cultural, ter mentores da mesma raça, ler livros com personagens que pertencem à mesma raça da criança, encontrar brinquedos e desenhos animados que sejam representativos da sua identidade, etc., para que esta não cresça com vergonha, e sim com orgulho. Os adultos adoptados rejeitam o antigo princípio de «color blindness» (o de que todas as raças são iguais e de que a cor não é importante) e preferem antes pensar e ensinar a ideia de não discriminação, sublinhando a necessidade de ensinar a criança a lidar com o racismo.

É IMPORTANTE QUE OS PAIS SAIBAM:

  • Que, ao cuidar de uma criança de outra etnia, precisam de aprender e assimilar a sua cultura, para que a possam incorporar na sua vida familiar (aprender chinês ou crioulo, cozinhar pratos da cultura de origem da criança, oferecer bonecas, livros e desenhos animados que façam parte da sua cultura, etc.);
  • Isto exige humildade, flexibilidade e capacidade de aprendizagem por parte dos pais;
  • Capacidade de responder aos comentários inadequados de estranhos e de ensinar a criança a lidar com o racismo e a ter orgulho na sua história;
  • Encontrar mentores que partilhem a etnia da criança, sejam estes professores, pais de amigos, entre outros;
  • Evitar colocar uma criança numa escola ou colégio em que seja a única da sua raça. A criança precisa de crescer e de saber que não é única;
  • Conversar sobre racismo, leiam livros em conjunto, ensine a sua criança a responder a eventuais comentários;
  • Aprender a tomar conta das especificidades que acompanham a identidade racial de cada criança, seja a tomar conta do seu cabelo ou da sua pele.

 

FORMAÇÃO DA IDENTIDADE E AUTO-ESTIMA

Na formação de uma identidade forte é imprescindível para qualquer criança construir uma auto-estima positiva, especialmente para uma criança que é adoptada. A identidade racial começa numa idade muito jovem. As crianças são capazes de reconhecer a diferença racial aos três anos de idade (Baxter, 2006). Mesmo nessa tenra idade, conseguem ver a diferença entre a cor e o tipo de cabelo. À medida que crescem, as crianças começam a valorizar e a formar crenças sobre raças diferentes, com base no que aprendem com o seu círculo social e a comunidade ao seu redor. A compreensão da identidade racial para as crianças é dupla: primeiro, são capazes de diferenciar a raça como um conceito geral e depois começam a identificar a sua pertença e a compreender a sua própria raça (Baxter, 2006).

Aos 7 anos, as crianças compreendem as respostas emocionais de outras pessoas à sua própria raça e a raças diferentes. Começam a perceber e a desenvolver as suas crenças pessoais sobre o que significa pertencer a uma etnia diferente. Essas crenças são fortemente influenciadas pelas situações e pessoas a que estão expostas. Quanto mais positiva for a exposição contínua que tiverem a pessoas e a aspectos da sua raça, mais a sua formação positiva de identidade e, finalmente, a sua auto-estima crescerão (Baxter, 2006).

Na adolescência, as crianças começam a procurar fortes ligações de identidade à medida que começam a tornar-se a sua própria pessoa. É neste momento que a exposição a pessoas positivas e a celebrações da sua raça e identidade é muito importante. Quanto mais expostas as crianças estiverem a pessoas de identidade igual à sua, mais ligadas se sentirão. Essa ligação ajudará a evitar os sentimentos de isolamento que os adoptados trans-raciais podem sentir, já que sabem como ter acesso a uma comunidade à qual sentem que pertencem e onde encontram outros que se parecem com eles (Baxter, 2006).

Carriere (2009) escreve: «estudos mostram que uma medida de sucesso no planeamento de permanência é o “desenvolvimento e formação de identidade saudáveis” da criança.» Segundo Westheus e Cohen (1994), existem cinco estágios diferentes de formação da identidade para adoptados trans-raciais:

Negação da diferença: a criança rejeita conscientemente a sua própria raça ou grupo cultural.

Despertar interior: a criança começa a reconhecer a sua própria raça ou grupo cultural.

Estágio de reconhecimento: a criança começa a envolver-se numa conversa positiva sobre as diferenças entre a sua raça e a maioria racial ao seu redor.

Fase de identificação: a criança procura activamente estabelecer ligações com membros da sua raça nas redes sociais e através da partilha de informações. A criança também pode rejeitar a cultura dos seus pais adoptivos neste momento, pois está a ampliar a sua comunidade racial.

Fase de integração: a criança é capaz de encontrar um equilíbrio entre a sua própria identidade racial e a identidade racial da sua família adoptiva. É muito importante que toda a família se identifique como uma família multirracial, especialmente nesta etapa de formação da identidade, para que raças e culturas possam ser celebradas abertamente.

A Associação de Pais Adoptivos e de Acolhimento do Iowa (n.d.) escreve que «a identidade racial positiva depende da nossa capacidade de nos identificarmos plenamente com as nossas raízes étnicas, e de continuarmos confiantes de que a raça ou a etnia não limitam as nossas oportunidades na vida».

ALGUMAS SUGESTÕES PARA PROMOVER A FORMAÇÃO DE IDENTIDADE POSITIVA E AUTO-ESTIMA NA JUVENTUDE SÃO:

→ Ajudar as crianças ou jovens a explorar a sua cultura de várias maneiras;

→ Incentivar a criança a construir uma identidade em que tenha a sensação de pertencer à cultura da família adoptiva e à sua própria;

→ Manter ligações com pessoas e mentores que se parecem com as crianças ou jovens;

→ Falar abertamente com o seu filho/a sobre situações de racismo e ajudar a prepará-lo dando-lhe as capacidades de sobrevivência necessárias.

Quando uma criança desenvolve uma identidade racial e cultural e uma auto-estima positivas, será capaz de desenvolver as capacidades necessárias para enfrentar o mundo com confiança e resiliência.

COMO FALAR SOBRE DISCRIMINAÇÃO E RACISMO

A discriminação e o racismo podem prevalecer em situações em que membros de famílias de diferentes raças se reúnem por meio da adopção. Este pode ser um tópico muito complicado e emocional para enfrentar e trabalhar com os seus filhos. Embora possa ser difícil, é realmente importante reconhecer as diferentes experiências de vida que uma criança pode ter com base na sua raça ou cultura. Alguns adoptam uma abordagem «cega» para lidar com as diferenças raciais. O daltonismo, apesar de bem-intencionado, pode ser muito prejudicial para as crianças pertencentes a uma minoria racial (Samuels, 2012). Neste contexto, quando alguém diz que é daltónico, quer explicar que não vê diferença entre as pessoas. O que o daltonismo realmente diz é que, para sermos iguais, precisamos de ser iguais e, se somos diferentes, não somos iguais, ignorando-se as diferenças entre as pessoas em vez de as celebrar. Isso pode causar medo ou vergonha na criança, que é a minoria racial na família, podendo ficar preocupada com o facto de as suas diferenças um dia serem «descobertas». A criança pode começar a perguntar-se se a sua diferença alguma vez será reconhecida.

DICAS PARA FAMÍLIAS MULTIRRACIAIS

Depois de identificarmos algumas das conversas difíceis na adopção trans-racial vamos agora dar-vos algumas dicas que vos ajudarão a preparar o seu filho/a e a sua família:

  • Aprenda a falar a primeira língua da criança ou encontre um programa cultural ou de línguas onde participe como actividade extracurricular;
  • Faça com que a música, a comida, os filmes e as tradições culturais da criança façam parte do seu dia-a-dia em família;
  • Lute abertamente contra o racismo à frente da criança, para que ela saiba que este não será tolerado de forma alguma (Berger, 2015);
  • Fale frequentemente sobre raça e cultura de maneira positiva e interessada.
  • Procure morar numa comunidade diversificada onde o seu filho/a possa frequentar uma escola diversificada. Isso permitirá que a criança tenha a oportunidade de fazer amigos e encontrar mentores de origens culturais ou raciais semelhantes;
  • Participe em acontecimentos culturais da comunidade de base da criança, para que esta conheça outras crianças e adultos com antecedentes parecidos com o seus;
  • Reconheça a importância de se identificar como uma família multicultural e valorize o multiculturalismo como mais-valia;

Essas não são as únicas respostas para apoiar com sucesso a formação da identidade e a auto-estima do seu filho/a, mas é um bom lugar para começar. Seja criativo e descubra o que funciona para a sua família. Não há problema em cometer erros, ninguém é perfeito e a paternidade é difícil. O importante é como aprende, como aborda os problemas com o seu filho/a e família e como continua a viver com uma forte unidade familiar multicultural. Peça sugestões ou conselhos àqueles que estão ao seu redor, que estão numa fase diferente na sua jornada de adopção ou que partilham a identidade racial do seu filho. Uma comunidade aberta e honesta em torno da sua família pode fazer toda a diferença nos dias mais difíceis.

COMPETÊNCIA CULTURAL

A família adoptiva tem a obrigação, no caso das adopções transraciais ou transculturais, de ajudar a criança a compreender melhor a sua cultura de base. Cabe à família adoptiva perceber que é no melhor interesse da criança (e que esta tem o direito de) frequentar uma escola onde existem outras crianças que partilham a sua identidade racial ou cultural. Nesta curta metragem de Sidi Wang, conseguem-se perceber melhor algumas das dificuldades vividas pelas crianças adoptadas por uma família diferente da sua.

FICHAS DE APOIO (DISPONÍVEIS EM PORTUGUÊS EM BREVE)

Transracial Parenting in Foster Care and Adoption, Iowa Foster & Adoptive Parents Association.

The Adoptive Parent’s Responsability when Parenting a Child from a Different Race, Adoption Advocate, 146, National Council for Adoption.

Perspectives of Transracial Adopted People, Child Welfare Information Gateway.

The Realities of Raising a kid of a different race, Time.

OUTROS RECURSOS

Understanding Transracial Adoption, AdoptOntario.

The Adopted Life, podcast.