Falar de outros pais

 

A adopção é uma tríade da qual fazem parte os pais biológicos. Em países como os EUA, o Canadá e a Austrália o modelo de adopção mudou muito nos últimos anos. Percebeu-se que as adopções fechadas, como existem em Portugal, têm demasiadas consequências negativas para o desenvolvimento da criança (perda de identidade, sensação de vazio, dificuldades na adolescência e na idade adulta) e mudou-se para um modelo de adopção aberta. Isto significa que as crianças vão contactando (ou ao vivo ou através de cartas) com os pais biológicos, o que as leva a diminuir a sensação de abandono. Sabe-se que são muito poucas as crianças adoptadas que não vão à procura dos seus pais biológicos mais tarde ou mais cedo, e hoje em dia, com as redes sociais, não é muito difícil que uns e outros comecem a contactar-se.

Mesmo no caso das adopções fechadas, como existem em Portugal, é importante saber falar dos pais biológicos, para que as crianças criem uma identidade segura e não tenham medo de fazer perguntas. A questão, muitas vezes, é como fazê-lo. Deixamos aqui algumas sugestões:

O MEU FILHO/A NÃO ME TRATA POR MÃE / PAI

Se adoptou uma criança mais crescida, que tem lembranças vívidas dos seus pais, é natural que esta sinta dificuldade em tratá-lo/a por mãe ou pai. Não insista, dê tempo ao tempo, e saiba que algumas crianças biológicas também tratam os pais pelo seu primeiro nome. O facto de a criança não lhe chamar mãe ou pai não significa que não tenha uma vinculação segura e que não goste muito de si. Muitas vezes, as crianças mais velhas ou os pré-adolescentes sentem algum conflito de lealdade. Por um lado, começam a sentir-se finalmente seguras em casa dos seus pais adoptivos, por outro sentem que abandonaram os seus pais biológicos. No caso das crianças parentalizadas, habituadas a tomar conta da família, pode ser ainda mais difícil gerir os seus sentimentos de culpa relativamente à família biológica. Procure perceber a situação do ponto de vista da criança e ajudá-la. Não leve as coisas a peito. O mais importante é saber que ela está finalmente segura consigo.

OS PAIS BIOLÓGICOS

É natural que, quando fica a conhecer a história de vida da sua criança, sinta alguma falta de empatia pelos seus pais biológicos. Procure lembrar-se, contudo, que na maioria das vezes também eles tiveram uma vida bem difícil e procure simpatizar com as complicações que tiveram de resolver. Acima de tudo, pense na criança e coloque-a em primeiro lugar.
As crianças que foram adoptadas vivem com uma sensação enorme de culpa e vergonha, julgando muitas vezes (e por muito que os pais adoptivos o tentem evitar) que a responsabilidade do que aconteceu é sua. A vergonha é um sentimento poderoso e extraordinariamente negativo na vida de uma criança. Sabe-se hoje em dia que, quando os pais adoptivos falam mal dos pais biológicos, a criança sente que os defeitos destes últimos serão os seus. Algumas crianças reagem a isto procurando apresentar-se sempre como sendo perfeitas (sofrendo internamente) e existem ainda outras que testam ou desafiam os pais adoptivos até à exaustão (provando-lhes assim que são tão más quanto os seus pais biológicos). Nenhuma destas opções é boa.

Assim:

  • Evite falar mal dos pais biológicos;
  • Evite tornar os pais biológicos heróis desaparecidos;
  • Explique com frases simples que «A vida dos crescidos às vezes é complicada, mas os teus pais biológicos (ou da barriga) gostam muito de ti»;
  • Quando não sabe responder a uma pergunta seja honesto;
  • Sublinhe sempre que a culpa do que aconteceu não é da criança;
  • Assegure a criança de que é normal ter saudades;
  • Faça uma caixa de memórias ou um álbum com fotografias, desenhos ou coisas que façam lembrar os pais biológicos, que a criança pode consultar quando tem saudades;
  • Ajude-a a fazer o luto.

COMO DEVERÁ A CRIANÇA REFERIR-SE AOS PAIS BIOLÓGICOS?

Existem muitas possibilidades e todas elas são boas. Pode chamar:

→ Mãe e pai na mesma, não existe nenhum motivo para uma criança não ter duas mães ou dois pais;

→ Aos pais biológicos «mãe Leonor» ou «pai Frederico», e os pais adoptivos serão simplesmente mãe e pai.

Lembre-se de que o mais importante não são os nomes, mas o afecto profundo que sente pela criança e que ela aprenderá a sentir por si.

OS PRIMEIROS PAIS ADOPTIVOS

Infelizmente, existe uma pequena percentagem de adopções que não chega ao seu fim. O efeito das chamadas dissoluções é devastador para as crianças, que têm de lidar com as consequências e o trauma de uma segunda rejeição. A literatura sobre o tema indica que na grande maioria das dissoluções os pais adoptivos não se vincularam às crianças, mas que as crianças se vincularam aos seus pais, de quem têm saudades.

Cabe aos novos pais adoptivos reiniciar o processo do zero, conscientes do imenso desafio que têm pela frente. Uma das questões que se coloca é, no entanto, como chamar aos primeiros pais adoptivos, que para todos os efeitos a criança considera ainda seus pais? A possibilidade mais sensata é chamá-los pelo seu primeiro nome, sem corrigir a criança, e sem nunca a forçar a fazer o mesmo. Note que é natural que a criança tenha dificuldade em chamar aos seus novos pais adoptivos «mãe» e «pai» quando já tentou estas palavras com duas famílias.

Quando ela conta algo de que tem saudades na sua segunda família, por exemplo «Quando ia correr com o pai ou cozinhava com a mãe», pode sempre perguntar: «E ias correr para um estádio com o Pedro?» (nome do primeiro pai adoptivo) ou «Que mais gostavas de cozinhar com a Teresa?» (nome da primeira mãe adoptiva) Proponha uma actividade alternativa de que a criança goste e que possam fazer os dois, mas aceite o seu luto, é importante e fundamental para que a criança consiga seguir em frente.