Medos

 

É difícil falar de adopção sem mencionar os medos que a acompanham. Quando os pais decidiram adoptar, tiveram provavelmente familiares e amigos a contar-lhes histórias de terror, passaram por um processo de selecção, esperaram pela criança e não sabiam, no final de contas, como seria o seu filho/a. Como Joanne Lemieux menciona, em A Normalidade Adoptiva, é frequente que na discussão à volta da adopção se ouçam frases como «com uma criança biológica isso também acontece», «o amor conserta tudo» ou «os efeitos do passado destas crianças são irreparáveis». É dever dos pais prepararem-se o melhor possível, substituindo estes medos por informação e pelo conhecimento da normalidade adoptiva.

Troque o medo por informação. O vosso primeiro papel enquanto pais é o de se prepararem, adquirindo as ferramentas que permitem pôr em prática formas de proteger a criança.

Devagar se vai ao longe. Não preste demasiada atenção a diagnósticos catastrofistas ou a comentários bem-intencionados. O processo de adaptação por vezes é lento (e por vezes terá retrocessos). Informe-se, seja calmo e paciente, procure ver as coisas com os olhos da criança.

Não consigo gostar da minha criança. Algo menos discutido é a vinculação por parte dos pais adoptivos. Mesmo que os pais se tenham encantado com a criança à primeira vista, também eles precisam de tempo para aprender a conhecer e a gostar dela. Muitos pais que tiverem de enfrentar problemas de fertilidade precisam de fazer o luto pela criança sonhada e de aprender a reconhecer a criança real.

Geralmente, no final do primeiro ano (quase sempre mais cedo) tem lugar a vinculação dos pais para com os seus filhos/as. Se se sentir demasiado preocupado, procure apoio junto das equipas de adopção, de outros pais que sentiram o mesmo ou procure um psicólogo especializado em adopção. Por vezes, ajuda perceber que todos estes sentimentos são fases naturais deste processo.

A vinculação é automática / A vinculação nunca terá lugar.

Este é talvez o maior medo dos pais adoptivos, que, apesar de saberem racionalmente que o processo vinculação é lento, têm por vezes medo de que esta nunca tenha lugar. Não existem processos de vinculação espontâneos; é natural que o seu filho/a, mesmo que seja afectuoso, precise de tempo para aprender a gostar dos seus novos pais. Não procure apressar o processo, este acabará por acontecer.

 

Tenho de consertar a criança.

Se gostar muito do meu filho/a, consigo transformá-lo numa «criança normal»? Apesar de não sabermos bem o que é uma criança normal, conseguimos perceber a ideia que surge por trás desta afirmação. Não imagina, no entanto, como ela pode ser prejudicial. A experiência de vida da sua criança deu-lhe uma enorme capacidade de resiliência, talentos por vezes escondidos e comportamentos ou medos que os pais talvez gostassem de «consertar». Procure aceitar a criança tal como ela é, sabendo que nem tudo se cura com afecto. As dificuldades da criança poderão acompanhá-la ao longo da vida, e não faz mal, a tarefa dos pais não é a de consertar os seus filhos/as ou de os normalizar, mas sim de celebrar aquilo que eles têm de melhor e de os acompanhar nas suas dificuldades, apoiando-os.

 

O meu filho é psicopata.

A popularização deste conceito leva muitas famílias adoptivas e de acolhimento a temer o pior em relação às crianças que recebem em casa. Por vezes, os diagnósticos de psicólogos mal informados sobre os efeitos do trauma não ajudam e criam-se medos terríveis nas cabeças dos pais. A situação complica-se quando as crianças começam a apresentar comportamentos que estão dentro da normalidade adoptiva ou de acolhimento, sem os pais saberem que eles fazem parte de um processo normal.

Alguns exemplos que deixam os pais preocupados são: a relação com animais domésticos (algumas crianças oscilam entre o medo e o desafio aos cães e gatos que têm em casa) e a falta de empatia (que é normal em crianças que estiveram institucionalizadas ou que se encontram em modo de sobrevivência). Outra coisa que pode preocupar os pais relaciona-se com as coisas estranhas que por vezes estas crianças dizem, sem saberem que são a repetição de algo que ouviram os pais biológicos dizer, que viram em filmes pouco adequados para a sua idade ou que aprenderam com outras crianças em acolhimento institucional.

É ainda natural (entre pais adoptivos e famílias de acolhimento torna-se uma espécie de piada) dizerem coisas que parecem horríveis como: se eu matasse uma pessoa e não fosse apanhado não havia problema. Quando uma afirmação assim é ouvida pela primeira vez, é natural que os pais ou a família de acolhimento temam o pior. Por vezes, a frase é dita como provocação, por vezes para testar a reacção dos pais, por vezes porque a criança não tem consciência do significado de matar. Por mais variadas que sejam as razões, o importante é que saiba que são várias as crianças que as dizem e que isso não faz delas futuros assassinos. A empatia é algo que se aprende, e vai ver que, quanto mais tranquila estiver a criança, mais disponibilidade mental tem para se preocupar com os outros.

«Os pais adoptivos desiludidos são maus pais, que nunca deveriam ter adoptado»
Joanne Lemieux, em La Normalité Adoptive, explica como «nos primeiros dias ou semanas, muitos pais ficam profundamente desiludidos com a criança que lhes foi designada. Alguns pais manterão esse segredo tóxico durante anos. Da criança sonhada à criança real, às vezes há um mundo indizível. (…) Os pais devem ser encorajados a entrar em contacto com as suas desilusões, e não a negá-las. Só assim poderão acolher o seu filho/a real. Como em todos os lutos, há uma fase de negação, de raiva e depressão, mas acabamos sempre por descobrir uma certa serenidade em relação a essa perda». Segundo a autora, é preciso fazer o luto da criança imaginada, para que seja possível acolher a criança real. Se for preciso, procure o apoio das equipas técnicas de adopção, de outros pais que passaram pelo mesmo ou procure um psicólogo especializado em adopção.

Para saber mais sobre medos e mitos, aconselhamos o livro La Normalité Adoptive, no qual esta secção se baseia.